A inversão de fases na Lei nº 14.133/2021

Você conhece quais foram as alterações previstas na inversão de fases na nova Lei de Licitações? Neste artigo o especialista em licitações, Luiz Zanoto explica todas as mudanças. Confira! Ao estabelecer um procedimento para compras públicas, o legislador pretendeu conceber uma forma de agregar qualidade do fornecedor e preços justos, de modo a ser possível […]

Criado em 27 set 21

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Por Dr. Luiz Eduardo Zanoto

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A inversão de fases na Lei nº 14.133/2021

Você conhece quais foram as alterações previstas na inversão de fases na nova Lei de Licitações? Neste artigo o especialista em licitações, Luiz Zanoto explica todas as mudanças. Confira!

Ao estabelecer um procedimento para compras públicas, o legislador pretendeu conceber uma forma de agregar qualidade do fornecedor e preços justos, de modo a ser possível a obtenção de um resultado vantajoso para a sociedade, já que não caberia ao gestor público escolher, subjetivamente, os parceiros comerciais da Administração.

Visando à qualidade do objeto, buscou-se a demonstração de garantias de que o fornecedor possui condições de ser um digno parceiro do setor público. Por isso, a lógica das licitações era, num primeiro momento, avaliar as condições do proponente para, somente depois, avaliar o preço e as condições do objeto que estava sendo ofertado à Administração. Essa lógica foi consagrada na Lei nº 8.666/1993, que apresenta o rito do procedimento licitatório em seu art. 43:

Art. 43.  A licitação será processada e julgada com observância dos seguintes procedimentos:

I - abertura dos envelopes contendo a documentação relativa à habilitação dos concorrentes, e sua apreciação;

II - devolução dos envelopes fechados aos concorrentes inabilitados, contendo as respectivas propostas, desde que não tenha havido recurso ou após sua denegação;

III - abertura dos envelopes contendo as propostas dos concorrentes habilitados, desde que transcorrido o prazo sem interposição de recurso, ou tenha havido desistência expressa, ou após o julgamento dos recursos interpostos;

IV - verificação da conformidade de cada proposta com os requisitos do edital e, conforme o caso, com os preços correntes no mercado ou fixados por órgão oficial competente, ou ainda com os constantes do sistema de registro de preços, os quais deverão ser devidamente registrados na ata de julgamento, promovendo-se a desclassificação das propostas desconformes ou incompatíveis;

V - julgamento e classificação das propostas de acordo com os critérios de avaliação constantes do edital;

VI - deliberação da autoridade competente quanto à homologação e adjudicação do objeto da licitação.

E todos os compradores públicos foram forjados nesse procedimento: a fase de habilitação precedia à fase financeira. Por incrível que pareça, avaliava-se o sujeito em busca de mais assertividade no objeto. Na prática, o que se obteve foi a certeza da contratação dos melhores “cumpridores de edital”, não necessariamente daqueles que possuiriam os valores mais vantajosos.

Esse cenário começou a se alterar a partir da modalidade licitatória pregão, consolidado nacionalmente a partir da publicação da Lei nº 10.520, em 18 de julho de 2002. A revolução trazida por essa modalidade era a possibilidade de “inversão de fases”, ou seja, analisar os documentos de habilitação apenas do detentor da melhor proposta financeira, consoante procedimento estabelecido no art. 4º do referido diploma legal:

Art. 4º  A fase externa do pregão será iniciada com a convocação dos interessados e observará as seguintes regras:

(...)

XII - encerrada a etapa competitiva e ordenadas as ofertas, o pregoeiro procederá à abertura do invólucro contendo os documentos de habilitação do licitante que apresentou a melhor proposta, para verificação do atendimento das condições fixadas no edital;

A essa alteração de rito deu-se o nome de “inversão de fases”, pois, em uma específica modalidade, no caso, o pregão, a regra passou a ser: analisar a conformidade do objeto e os preços ofertados antes dos documentos de habilitação. Priorizou-se, portanto, o objeto em relação ao sujeito. Assim, a fase financeira precede à fase de habilitação nessa modalidade licitatória do pregão. Por isso, é comum ouvir que, no pregão, há a inversão de fases. Claro, comparado ao rito da Lei nº 8.666/1993.

Assim, aos poucos, a doutrina e os órgãos de controle passaram a considerar que a finalidade do certame licitatório não estava no cumprimento irrestrito e literal das regras editalícias, mas numa forma de disputar quem será o parceiro comercial da Administração, de acordo com a complexidade do objeto e as peculiaridades do mercado. Nos últimos anos, é possível afirmar que a fase de habilitação vem perdendo relevância, de modo a se cogitar que deve ser entendida como uma mera etapa burocrática, e não como um parâmetro de julgamento propriamente dito.

A Nova Lei de Licitações, - Lei nº 14.133/2021 – reforça esse entendimento em, ao menos 3 dispositivos:

1- O rito licitatório “normal” espelha o rito do pregão, isto é, a fase financeira precede à fase habilitação. Vide art. 17:

Art. 17. O processo de licitação observará as seguintes fases, em sequência:

I - preparatória;

II - de divulgação do edital de licitação;

III - de apresentação de propostas e lances, quando for o caso;

IV - de julgamento;

V - de habilitação;

VI - recursal;

VII - de homologação.

§ 1º A fase referida no inciso V do caput deste artigo poderá, mediante ato motivado com explicitação dos benefícios decorrentes, anteceder as fases referidas nos incisos III e IV do caput deste artigo, desde que expressamente previsto no edital de licitação.

Ainda, de acordo com o texto da Nova Lei, a fase de habilitação somente pode anteceder à fase financeira se houver motivação específica, com exposição das vantagens concretas para tal alteração de procedimento. Por isso, na Lei nº 14.133/2021, ao tratarmos de “inversão de fases”, precisamos entender que se trata da hipótese excepcional de antecipar a fase de habilitação, o que precisa ser exaustivamente justificado pela autoridade licitadora.

2- A Lei admite licitações exclusivas para licitantes previamente cadastrados, consoante parágrafo terceiro do art. 87:

Art. 87. Para os fins desta Lei, os órgãos e entidades da Administração Pública deverão utilizar o sistema de registro cadastral unificado disponível no Portal Nacional de Contratações Públicas (PNCP), para efeito de cadastro unificado de licitantes, na forma disposta em regulamento.

(...)

§ 3º A Administração poderá realizar licitação restrita a fornecedores cadastrados, atendidos os critérios, as condições e os limites estabelecidos em regulamento, bem como a ampla publicidade dos procedimentos para o cadastramento.

A finalidade evidente de realizar licitações exclusivas para fornecedores previamente cadastrados é focar na disputa pela melhor proposta, já que os requisitos de habilitação já estarão contemplados no cadastro unificado do fornecedor. Portanto, a aferição da habilitação é superada na disputa, pois todas as condições formais subjetivas à potencial contratação já estarão equacionadas, com a implementação do cadastro do fornecedor, no PNCP.

3 – A ampla possibilidade de diligências para complementar documentação, ou seja, prevalece a condição fática do licitante à formalidade da comprovação dessa condição fática, que pode ser suprida através de diligências, por parte do agente de contratação. Nesse sentido, transcreve-se o art. 64:

Art. 64. Após a entrega dos documentos para habilitação, não será permitida a substituição ou a apresentação de novos documentos, salvo em sede de diligência, para:

I - complementação de informações acerca dos documentos já apresentados pelos licitantes e desde que necessária para apurar fatos existentes à época da abertura do certame;

II - atualização de documentos cuja validade tenha expirado após a data de recebimento das propostas.

§ 1º Na análise dos documentos de habilitação, a comissão de licitação poderá sanar erros ou falhas que não alterem a substância dos documentos e sua validade jurídica, mediante despacho fundamentado registrado e acessível a todos, atribuindo-lhes eficácia para fins de habilitação e classificação.

Como corolário, temos a atual posição do TCU, através do Acórdão nº 1211, de 26 de maio de 2021, que traz a seguinte ementa:

REPRESENTAÇÃO. PREGÃO ELETRÔNICO REGIDO PELO DECRETO 10.024/2019. IRREGULARIDADE NA CONCESSÃO DE NOVA OPORTUNIDADE DE ENVIO DE DOCUMENTAÇÃO DE HABILITAÇÃO AOS LICITANTES, NA FASE DE JULGAMENTO DAS PROPOSTAS, SEM QUE O ATO TENHA SIDO DEVIDAMENTE FUNDAMENTADO. PROCEDÊNCIA. REVOGAÇÃO DO CERTAME. MEDIDA CAUTELAR PLEITEADA PREJUDICADA. CIÊNCIA AO JURISDICIONADO ACERCA DA IRREGULARIDADE. OITIVA DO MINISTÉRIO DA ECONOMIA SOBRE A CONVENIÊNCIA E OPRTUNIDADE DE IMPLANTAÇÃO DE MELHORIAS NO SISTEMA COMPRASNET.

Admitir a juntada de documentos que apenas venham a atestar condição pré-existente à abertura da sessão pública do certame não fere os princípios da isonomia e igualdade entre as licitantes e o oposto, ou seja, a desclassificação do licitante, sem que lhe seja conferida oportunidade para sanear os seus documentos de habilitação e/ou proposta, resulta em objetivo dissociado do interesse público, com a prevalência do processo (meio) sobre o resultado almejado (fim). O pregoeiro, durante as fases de julgamento das propostas e/ou habilitação, deve sanear eventuais erros ou falhas que não alterem a substância das propostas, dos documentos e sua validade jurídica, mediante decisão fundamentada, registrada em ata e acessível aos licitantes, nos termos dos arts. 8º, inciso XII, alínea "h"; 17, inciso VI; e 47 do Decreto 10.024/2019; sendo que a vedação à inclusão de novo documento, prevista no art. 43, §3º, da Lei 8.666/1993 e no art. 64 da Nova Lei de Licitações (Lei 14.133/2021), não alcança documento ausente, comprobatório de condição atendida pelo licitante quando apresentou sua proposta, que não foi juntado com os demais comprovantes de habilitação e/ou da proposta, por equívoco ou falha, o qual deverá ser solicitado e avaliado pelo pregoeiro.

No caso concreto, o TCU admitiu que o Pregoeiro tem o dever de buscar comprovar, junto ao licitante, sua condição subjetiva para tornar-se um fornecedor da Administração, uma vez que apresentou a proposta mais vantajosa. Esse entendimento já foi exarado antevendo a previsão do art. 64 da Lei nº 14.133/2021, acima transcrito, mas inaplicável no caso julgado.

Resta evidente, portanto, que a moderna interpretação das compras públicas considera o rito como um todo, restando desaconselhável subdividir a licitação em fases, embora a Nova Lei de Licitações não seja muito precisa em sua terminologia, ora referindo “fase” como uma etapa do macroprocesso de contratações públicas (fase preparatória – Capítulo II), ora como cada momento da disputa de preços (vide redação do art. 17, acima, com a previsão de fases para o “processo de licitação”).

De qualquer forma, sob a égide da Lei nº 14.133/2021, o rito ordinário pressupõe a disputa de preços e aferição da melhor proposta previamente à fase de habilitação, razão pela qual, pelo novo diploma legal, quando falamos de inversão de fases, precisamos ter em mente a exceção a essa regra, isto é, a precedência da fase de habilitação à fase financeira. Essa inteligência, por exemplo, é percebida no inciso I, do parágrafo primeiro, do art. 165:

Art. 165. Dos atos da Administração decorrentes da aplicação desta Lei cabem:

I - recurso, no prazo de 3 (três) dias úteis, contado da data de intimação ou de lavratura da ata, em face de:

a) ato que defira ou indefira pedido de pré-qualificação de interessado ou de inscrição em registro cadastral, sua alteração ou cancelamento;

b) julgamento das propostas;

c) ato de habilitação ou inabilitação de licitante;

d) anulação ou revogação da licitação;

e) extinção do contrato, quando determinada por ato unilateral e escrito da Administração;

II - pedido de reconsideração, no prazo de 3 (três) dias úteis, contado da data de intimação, relativamente a ato do qual não caiba recurso hierárquico.

§ 1º Quanto ao recurso apresentado em virtude do disposto nas alíneas “b” e “c” do inciso I do caput deste artigo, serão observadas as seguintes disposições:

I - a intenção de recorrer deverá ser manifestada imediatamente, sob pena de preclusão, e o prazo para apresentação das razões recursais previsto no inciso I do caput deste artigo será iniciado na data de intimação ou de lavratura da ata de habilitação ou inabilitação ou, na hipótese de adoção da inversão de fases prevista no § 1º do art. 17 desta Lei, da ata de julgamento;

Em virtude do exposto, podemos concluir que as modernas licitações, à luz da Lei nº 14.133/2021, terão o foco predominante no conteúdo da proposta e na negociação de preços, ao invés da análise formal da documentação que cada interessado apresenta durante o certame. A desburocratização da fase de habilitação é, certamente, uma das principais inovações da Nova Lei, a qual premiará os fornecedores mais competitivos, em benefício de toda a sociedade. Por isso, a manutenção do rito licitatório com a ênfase na fase financeira, é um dos grandes acertos da, ainda recente, Lei nº 14.133/2021.

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