Como Prospectar a Administração Pública?

Baseado em artigo escrito por Gustavo Schiefler, advogado no escritório Schiefler Advocacia, Doutor em Direito do Estado (USP)

Criado em 10 fev 23

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Por Gustavo Schiefler

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Como Prospectar a Administração Pública?

O diálogo entre empresas e Administração Pública ainda é um grande tabu para os licitantes. Porém, a verdade é que você pode – e deve – prospectar a Administração Pública para gerar mais eficiência no processo de venda de produtos ou serviços.

Ou seja, criar oportunidades novas também faz parte das atividades do licitante. Dessa forma, todos podem sair ganhando: a Administração encontra soluções eficientes para suas demandas, enquanto o licitante consegue fechar boas vendas.

Esses diálogos que ocorrem em momentos anteriores às licitações são imprescindíveis e inevitáveis. Porém, é preciso saber como prospectar a Administração Pública da maneira correta, usando mecanismos que permitem dialogar com os órgãos públicos.

Quer descobrir como prospectar a Administração Pública? Confira logo a seguir!

Como funciona a prospecção com a Administração Pública?

Imagine que um órgão da Administração Pública esteja modernizando seus processos internos. Neste momento, podem surgir dúvidas em relação às melhores soluções para aumentar a eficiência desses processos. Afinal, existem diferentes produtos e serviços que podem contribuir para chegar ao mesmo objetivo.

Para tomar sua decisão, a Administração pode dialogar com os diferentes fornecedores que podem ajudá-la e compreender os benefícios de cada uma das opções. Essa é uma oportunidade para que as empresas demonstrem seu valor, enquanto a Administração busca informações para tomar a melhor decisão.

Todos saem ganhando nessa situação, certo? É exatamente esse o objetivo de prospectar a Administração Pública: mostrar como sua empresa pode gerar mais valor – aumentando a eficiência nos processos do órgão.

Entretanto, existem algumas regras para prospectar com a Administração Pública. 

Confira as principais informações que você deve conhecer sobre o processo de prospectar a Administração Pública:

Incentivo ao diálogo na nova Lei de Licitações

A nova Lei de Licitações (Lei nº 14.133/2021) trouxe dispositivos que incentivam o diálogo e prospecção. Veja só:

Levantamento de mercado como uma etapa inerente aos estudos técnicos preliminares

O Art. 18 da nova Lei de Licitações prevê que a fase preparatória do processo licitatório deve abordar todas as considerações técnicas, mercadológicas e de gestão que podem interferir na contratação. E isso inclui uma avaliação da melhor solução para resolver o problema – o que pode envolver o diálogo com os fornecedores.

Art. 18. A fase preparatória do processo licitatório é caracterizada pelo planejamento e deve compatibilizar-se com o plano de contratações anual de que trata o inciso VII do caput do art. 12 desta Lei, sempre que elaborado, e com as leis orçamentárias, bem como abordar todas as considerações técnicas, mercadológicas e de gestão que podem interferir na contratação, compreendidos:

(…)

§ 1º O estudo técnico preliminar a que se refere o inciso I do caput deste artigo deverá evidenciar o problema a ser resolvido e a sua melhor solução, de modo a permitir a avaliação da viabilidade técnica e econômica da contratação, e conterá os seguintes elementos:

(…)

V - levantamento de mercado, que consiste na análise das alternativas possíveis, e justificativa técnica e econômica da escolha do tipo de solução a contratar;

Ou seja, na etapa anterior à licitação, as empresas podem contribuir com a decisão pela melhor solução.

Permissão ampla para a realização de Procedimentos de Manifestação de Interesse (PMIs)

O Art. 81 da nova Lei de Licitações prevê que a Administração poderá solicitar à iniciativa privada, mediante procedimento aberto de manifestação de interesse a ser iniciado com a publicação de edital de chamamento público, a propositura e a realização de estudos, investigações, levantamentos e projetos de soluções inovadoras que contribuam com questões de relevância pública, na forma de regulamento.

Ou seja, o Procedimento de Manifestação de Interesse (PMI) é o procedimento que ocorre antes do início da licitação para convocar o mercado para dar soluções para resolver seus problemas. Particulares podem contribuir com a futura licitação – tudo isso de maneira legítima e organizada.

Orçamento estimado com pesquisa de preços

Outra norma da nova Lei de Licitações que está relacionada com o diálogo entre a Administração e os licitantes está prevista no Art. 23:

Art. 23. O valor previamente estimado da contratação deverá ser compatível com os valores praticados pelo mercado, considerados os preços constantes de bancos de dados públicos e as quantidades a serem contratadas, observadas a potencial economia de escala e as peculiaridades do local de execução do objeto.

§ 1º No processo licitatório para aquisição de bens e contratação de serviços em geral, conforme regulamento, o valor estimado será definido com base no melhor preço aferido por meio da utilização dos seguintes parâmetros, adotados de forma combinada ou não:

(…)

IV - pesquisa direta com no mínimo 3 (três) fornecedores, mediante solicitação formal de cotação, desde que seja apresentada justificativa da escolha desses fornecedores e que não tenham sido obtidos os orçamentos com mais de 6 (seis) meses de antecedência da data de divulgação do edital;

Criação da modalidade do Diálogo Competitivo

Por fim, a nova Lei de Licitações também criou o Diálogo Competitivo. Nesse caso, é incentivado o diálogo durante o processo licitatório.

Saiba mais sobre o Diálogo Competitivo!

https://www.youtube.com/watch?v=Wdu5Nb_39V8

O art. 21 da Lei 14.133/21, dispõe:

Art. 21. A Administração poderá convocar, com antecedência mínima de 8 (oito) dias úteis, audiência pública, presencial ou a distância, na forma eletrônica, sobre licitação que pretenda realizar, com disponibilização prévia de informações pertinentes, inclusive de estudo técnico preliminar e elementos do edital de licitação, e com possibilidade de manifestação de todos os interessados.

Limites para a representação de interesses

Na hora de prospectar a Administração Pública, é importante lembrar que devem ser seguidas formalidades para evitar atuar fora dos limites legais. Para ajudar a compreender quais são esses limites, temos alguns dispositivos legais:

Portaria SEGES/ME Nº 8.678

A Portaria 8678 DE 19 DE JULHO DE 2021 que dispõe sobre a governança das contratações públicas no âmbito da Administração Pública federal direta, autárquica e fundacional. Art. 5º São diretrizes da governança nas contratações públicas:

(…) VI - aprimoramento da interação com o mercado fornecedor, como forma de se promover a inovação e de se prospectarem soluções que maximizem a efetividade da contratação;

Art. 6º São instrumentos de governança nas contratações públicas, dentre outros:

(…)VI - Política de interação com o mercado;

Art. 15. Compete ao órgão ou entidade, quanto à interação com o mercado fornecedor e com associações empresariais:

I - promover regular e transparente diálogo quando da confecção dos estudos técnicos preliminares, de forma a se obterem insumos para a otimização das especificações dos objetos a serem contratados, dos parâmetros de mercado para melhor técnica e custo das contratações, e das obrigações da futura contratada, conforme dispõe o art. 21 da Lei nº 14.133, de 1º de abril de 2021.

II - observar a devida transparência acerca dos eventos a serem conduzidos na fase da seleção do fornecedor, respeitados os princípios da isonomia e da publicidade;

III - padronizar os procedimentos para a fiscalização contratual, respeitando-se os princípios do devido processo legal e do contraditório quando da apuração de descumprimentos junto a fornecedores; e

IV - estabelecer exigências sempre proporcionais ao objeto a ser contratado, para assegurar que as oportunidades sejam projetadas de modo a incentivar a ampla participação de concorrentes potenciais, incluindo novos entrantes e pequenas e médias empresas.

Parágrafo único. O disposto neste artigo deverá estar em harmonia com a Estratégia Nacional de Investimentos e Negócios de Impacto, instituída pelo Decreto nº 9.977, de 19 de agosto de 2019, ou o que vier a substitui-lo.

Decreto Federal nº 10.889/2021 - trata sobre conflitos de interesse, brindes, etc.

O Decreto Federal nº 10.889/2021 trata sobre conflitos de interesses, brindes, presentes e hospitalidades na relação entre agentes públicos e particulares. Isso inclui o compromisso público em audiências com empresas licitantes:

Art. 5º Para fins do disposto neste Decreto, considera-se:

I - Compromisso público - atividade da qual o agente público participe em razão do cargo, da função ou do emprego que ocupe, abrangidos:

(...)

d) audiência - compromisso presencial ou telepresencial do qual participe agente público e em que haja representação privada de interesses.

Além disso, o Decreto Federal nº 10.889/2021 também mostra a maneira correta para que as audiências ocorram:

Art. 15. Os representantes de interesses poderão ser ouvidos:

I - em audiência, mediante solicitação própria ou a convite de agente público; ou

II - em audiência pública, como expositores.

§ 1º Os órgãos e as entidades do Poder Executivo federal prezarão pela isonomia de tratamento àqueles que solicitarem audiências sobre a mesma matéria, permitida a realização de consulta pública ou de audiência pública para esse fim.

§ 2º Quando cabível, o representante de interesses deverá declarar que se submete às normas de ética e de conduta da empresa de que sejam empregados, sócios ou contratados, ou de associações a que sejam filiados, antes da realização da audiência.

Art. 16. O agente público que participar de audiência deverá, sempre que possível, estar acompanhado de, no mínimo, outro agente público do Poder Executivo federal.

Além disso, as informações dos encontros devem ser registradas, conforme prevê o Art. 11:

Art. 11. O agente público de que trata o art. 2º deverá registrar e publicar, por meio do e-Agendas ou por meio de sistema próprio, observado o disposto no art. 7º, as informações sobre:

I - sua participação em compromisso público, ocorrido presencialmente ou não, ainda que fora do local de trabalho, com ou sem agendamento prévio, em território nacional ou estrangeiro, com, no mínimo:

a) assunto;

b) local;

c) data;

d) horário;

e) lista de participantes; e

f) na hipótese de audiência, além dos dados referidos nas alíneas “a” a “e”:

1. a identificação do representante de interesses;

2. a identificação da pessoa natural ou jurídica ou do grupo de interesses, na hipótese de representar interesse de terceiros; e

3. a descrição dos interesses representados;

Enunciado nº 29 - I Jornada de Direito Administrativo (CJF/STJ)

Por fim, o Enunciado nº 29 da I Jornada de Direito Administrativo (CJF/STJ) traz mais esclarecimentos sobre o assunto:

A Administração Pública pode promover comunicações formais com potenciais interessados durante a fase de planejamento das contratações públicas para a obtenção de informações técnicas e comerciais relevantes à definição do objeto e elaboração do projeto básico ou termo de referência, sendo que este diálogo público-privado deve ser registrado no processo administrativo e não impede o particular colaborador de participar em eventual licitação pública, ou mesmo de celebrar o respectivo contrato, tampouco lhe confere a autoria do projeto básico ou termo de referência.

5 dicas práticas para a prospecção ativa com a Administração Pública

1. Mantenha a formalidade

Desde que ocorra formalmente, não é proibido se comunicar com a Administração Pública, antes de uma licitação pública, com o intuito comercial, ou seja, em atividade de prospecção, para apresentar informações técnicas sobre os produtos e serviços oferecidos por sua empresa. Recomenda-se um disclaimer informativo e fundamentado.

2. Use meios institucionais de comunicação

Os diálogos público-privados devem ser realizados preferencialmente a partir de meios institucionais de comunicação, a exemplo da troca de e-mail com endereços eletrônicos institucionais (fulano@nomedaempresa.com.br e fulano@nomedoorgaopublico.com.br, por exemplo). A orientação é válida tanto para os remetentes como para os destinatários.

3. Preze pela clareza e completude das comunicações

As comunicações devem ser claras, objetivas e completas. Um observador externo, caso leia as comunicações, deve conseguir compreender adequadamente o contexto em que este diálogo está acontecendo. Não é momento para apelidos, demonstrações de intimidade, piadas, tampouco é adequado adotar presunções de que o interlocutor sabe do que está falando.

4. Adote uma política de integridade

É recomendável instituir uma política de integridade específica para regulamentar internamente os comportamentos permitidos, proibidos e esperados dos colaboradores da empresa – com regras claras sobre os procedimentos e registros.

5. Respeito ao momento do procedimento

Durante as licitações públicas, as comunicações devem ocorrer exclusivamente com a comissão de licitação ou pregoeiro, a fim de sanar eventuais dúvidas sobre o processo, por exemplo, através de pedido de esclarecimentos ao órgão.

Você gostou das dicas de como prospectar a Administração Pública? Ficou com alguma dúvida sobre o assunto? Deixe o seu comentário!

Referência:

SCHIEFLER, Gustavo. As comunicações entre o mercado e a Administração na etapa preparatória da contratação pública. São Paulo: Schiefler Advocacia, 2022. Disponível em: https://schiefler.adv.br/comunicacoes-entre-o-mercado-e-a-administracao/

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